A chuva mínguou, pelo menos não tínhamos mais que suportar
aquele uníssono das gotas de chuva batendo sobre as folhas das árvores. Apesar
da tremenda escuridão, pelo ruído da água nas pedras, podia imaginar que o
córrego havia diminuído.
No momento da tempestade, de chuva forte, de córrego cheio, a
água me jogou no barranco, acima da metade, onde todo estropiado me segurei dos
arbustos ali existentes, tremendo de frio, num misto de medo e solidão.
De repente vi uns fechos de luz nervosos na mata. Era uma
parte da equipe procurando alguns homens que foram arrastados pela enxurrada.
Aqui, socorro, comecei a gritar desesperadamente. Foi assim
que o mateiro Toninho me achou. É o doutor, ele falou e chamou mais homens. Não
foi preciso, porque ele esticou o braço do qual me segurei e, apesar do corpo
que me doía, fui puxado para cima, até uma plataforma de areia fina e sem mato.
-Aqui o senhor pode ficar até o dia clarear, falou o mateiro.
Deixei meu corpo cair
na areia fina, parecia, porém, que havia apanhado de pau, tanto me doía o
corpo, da cabeça aos pés.
Quando deitei na areia percebi que o sangue da minha cabeça
havia descido pelo rosto inchado e ficou lá até coagular. Em contato com a
areia, uma grossa crosta secou no lado esquerdo do meu rosto. O olho estava
tampado pelo inchaço e pelo sangue, a mesma coisa acontecendo com o lado
esquerdo da boca.
Mas o cansaço foi maior, demoraram apenas alguns minutos e eu que já estava exausto,
dormi profundamente.
O canto dos passarinhos da Amazônia, antes do dia clarear, me
acordou, foi um belo momento de reflexão, ao tempo em que trocava de posição,
pois o meu braço esquerdo quedara por baixo do corpo, de tal maneira que formigava, na verdade nem o sentia.
Como é a vida tão desigual, já
estávamos às portas do novo ano, e o homem já havia chegado à Lua, numa viagem
que, certamente, ficará na história pela avançada tecnologia aplicada, enquanto
nós, estávamos na Terra mesmo, na pior das situações que um ser humano pode
ficar, sem comida, alguns feridos, longe de tudo e de todos. Que situação!
O dia, finalmente, clareou, os pássaros se animaram e bandos
de araras passaram bem alto.
O corpo todo me doía, parecia que tinha sido passado por um
gigantesco moedor de carne.
Bem coragem, pelo menos estava vivo. Juntei todas as minhas
forças e me sentei, só aí, olhando em torno, é que percebi que ali era um
antigo cemitério de índios e seringueiros. Havia dormido por cima de uma tumba,
por isso a areia fina do lugar.
Não lembro mais o que atinei a fazer logo após a descoberta,
só sei dizer que pouco a pouco escorreguei na tumba, deixando os pés pendurados
na extremidade do túmulo. Foi quando um passarinho pousou do meu lado, cantou e
cantou a exaustão.
Naquele instante, acabava mais uma historia que ficou gravada
para sempre em minha memória. Duas lágrimas escorreram dos meus olhos e se
perderam no calor da areia. Que sorte a minha!
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