Antes mesmo do dia clarear tomamos, nós nas xícaras e o resto
dos homens nas latas vazias de leite em pó, nosso café da manhã e recolhemos
nossas roupas e nossas redes, pois um longo percurso nos restava, passar ao
lado do Acampamento 3 e chegar às
escarpas da Serra dos Pacaás novos.
O dia nos surpreendeu no varadouro. Éramos muitos homens em
fila índia e um burro, carregado de panelas, chaleiras, talheres, enfim, dos alimentos não perecíveis, que sempre
levávamos em toda empreitada.
O dia clareou, a mata oferecia uma imagem fantasmagórica, uma
nuvem, pela temperatura, havia baixado sob as árvores, de tal maneira que não
podíamos ver claramente os troncos das árvores, e nosso varadouro como que
feria um bloco de neblina, sumia,
literalmente, da nossa vista.
Assim andamos até o dia esquentar e a neblina se dissipar.
Na véspera choveu
tanto que, era muito freqüente, encontrar árvores caídas atravessando nosso caminho, obrigando-nos ou a pular por cima dos troncos ou passar por baixo.
Quando a árvore atravessada era muito grande, o burro tinha que contorná-lo,
puxado por um homem que segurava na mão a extremidade da corda. Nossa caminhada
era muito lenta devido a esses imprevistos. Numa dessas travessias, estava um
grande tronco atravessando nosso varadouro. Muito observador o mateiro Toninho,
acostumado a longas caminhadas na Amazônia, no tempo da borracha no Estado do Amazonas,
de onde era oriundo, nos alertou para uma tartaruga que estava travada debaixo do tronco, não
conseguia ir nem para frente nem para trás, de forma, que segundo Toninho,
experiente mateiro, a tartaruga certamente esperaria o tronco que a aprisionava
apodrecer, para depois ir embora. Toda essa operação demoraria algo em torno de
dez anos. Ufa!
Seguimos nossa viagem, sempre e na maioria do percurso,
margeando, à esquerda o córrego, que pelos mapas e levantamentos
aerofotogramétricos, deveria originar-se no alto da Serra dos Pacaás Novos.
De repente um clarão na mata. Era o último acampamento aberto
pelos mateiros da pesquisa. Não havia mais motivo de lá parar, e tudo indicava
que a tão desejada serra já estaria próxima, por outro lado, tínhamos pressa
pois, ainda de dia, voltaríamos até o acampamento 2, onde dormiríamos para depois, sempre acompanhando o
córrego, sairíamos pesquisando minério de estanho até o campo de pouso.
Era uma árdua tarefa, sem lugar a dúvidas, porém já estávamos
acostumados, e a volta sempre é mais curta e mais agradável.
Neste momento de divagação me veio à mente a odisséia dos
conquistadores, primeiro de Cristovão Colombo, e sua três galeras, e alguns
anos mais tarde, Cabral, que aportaria no sul do atual Estado da Bahia. Foram
os ventos que sopraram as velas das suas naus pioneiras, e tanto eles como nós,
sabiam que iam descobrir alguma coisa, porém não sabiam o que poderiam ter que
enfrentar no caminho.
Naquela época, as
férteis mentes dos pensadores achavam que a água do mar caía num enorme
precipício, e que a terra era sustentada por um gigante! Eles não tiveram os
recursos que hoje a Ciência nos oferece, graças à que sabemos que o planeta
Terra é um dos nove planetas até hoje descobertos, todos pertencentes à Via
Láctea, e que têm uma orbita elíptica em torno do Sol, uma estrela que pertence
à nossa Galáxia, a Via Láctea, e que nos mantêm, graças à sua força de atração,
numa gravidade na ordem de 9,6 kg por centímetro quadrado.
Os gritos de Toninho, que vinha ao nosso encontro pedindo
para que nos protegêssemos, eram desesperadores e de uma só vez me tiraram
desta enorme viagem pelo mundo e pelo tempo.
Em pouco tempo o ar foi tomado completamente pelo cheiro
característico dos porcos queixada, primos bem próximos dos Javalis e tão
ferozes quanto estes. Batendo com força o maxilar, e tendo umas enormes presas
à frente, um porco desses já faz um grande estrago, que diria, então, um grupo
de mais de cinqüenta destes ferozes
porcos que comiam tudo que achavam na frente, sejam cobras ou sapos, todos eram
esmagados por estes ferozes animais. Eles atravessaram o nosso varadouro, a uns
quinhentos metros de nosso grupo, que passou inadvertido, caso contrário, todos
nós serviríamos de uma boa refeição para tantos e tão ferozes animais.
Continuamos nossa caminhada, quando tudo indicava que nunca
iríamos chegar, eis finalmente que surgiu, à nossa frente, a enorme Serra, disposta
de leste a Oeste.
Foi, na realidade, a premiação à nossa perseverança. Só que
nosso caminho mergulhava numa enorme represa
de água, formada pelo córrego que vinha do alto, e saía na outra extremidade,
bem ao lado das escarpadas paredes da serra, onde o Toninho já nos esperava
dando risada e alisando seus ralos bigodes.
O jeito foi organizar quem subiria a serra conosco e quem
ficaria embaixo, segurando também o burro.
Uns sete homens decidimos subir a Serra e mergulhamos na
represa saindo do outro lado. Coube ao Moco, um homem baixinho, porém bem
atarracado, a tarefa de levar, dentro de um saco plástico, a câmara fotográfica
Pentax e os filmes de sensibilidade ASA200. Naquela época todas as câmaras
fotográficas eram analógicas, e não existiam ainda as câmeras digitais a cartão
de hoje. Moco ergeu na mão direita o pacote, acima da água, nadou, nadou, até
mais ou menos o meio da represa, onde chegou cansado e aos poucos foi afundando, inclusive com o pacote, e desapareceu sob a
água.
Todos lamentamos, porém, antes que dois ou três homens
mergulhassem para auxiliar o Moco, este apareceu ao nosso lado, com o pacote,
incólume, na mão.
E, assim, iniciamos nossa grande escalada.
HUGOALBERTO CUÉLLAR URIZAR
É Cineasta,
Jornalista e escritor, é diretor técnico
da Produtora
Sudameris em Osasco-SP
sudamerisosasco@hotmail.com
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