26 de agosto de 2013

ELETRIZANTE 3



           Antes mesmo do dia clarear tomamos, nós nas xícaras e o resto dos homens nas latas vazias de leite em pó, nosso café da manhã e recolhemos nossas roupas e nossas redes, pois um longo percurso nos restava, passar ao lado  do Acampamento 3 e chegar às escarpas da Serra dos Pacaás novos.

          O dia nos surpreendeu no varadouro. Éramos muitos homens em fila índia e um burro, carregado de panelas, chaleiras, talheres, enfim,  dos alimentos não perecíveis, que sempre levávamos em toda empreitada.

            O dia clareou, a mata oferecia uma imagem fantasmagórica, uma nuvem, pela temperatura, havia baixado sob as árvores, de tal maneira que não podíamos ver claramente os troncos das árvores, e nosso varadouro como que feria um bloco de neblina, sumia,  literalmente, da nossa vista.

                  Assim andamos até o dia esquentar e a neblina se dissipar.

             Na  véspera choveu tanto que, era muito freqüente, encontrar árvores caídas atravessando  nosso caminho,  obrigando-nos ou a pular  por cima dos troncos ou passar por baixo. Quando a árvore atravessada era muito grande, o burro tinha que contorná-lo, puxado por um homem que segurava na mão a extremidade da corda. Nossa caminhada era muito lenta devido a esses imprevistos. Numa dessas travessias, estava um grande tronco atravessando nosso varadouro. Muito observador o mateiro Toninho, acostumado a longas caminhadas na Amazônia, no tempo da borracha no Estado do Amazonas, de onde era oriundo, nos alertou para uma tartaruga  que estava travada debaixo do tronco, não conseguia ir nem para frente nem para trás, de forma, que segundo Toninho, experiente mateiro, a tartaruga certamente esperaria o tronco que a aprisionava apodrecer, para depois ir embora. Toda essa operação demoraria algo em torno de dez anos. Ufa!

              Seguimos nossa viagem, sempre e na maioria do percurso, margeando, à esquerda o córrego, que pelos mapas e levantamentos aerofotogramétricos, deveria originar-se no alto da Serra dos Pacaás Novos.

              De repente um clarão na mata. Era o último acampamento aberto pelos mateiros da pesquisa. Não havia mais motivo de lá parar, e tudo indicava que a tão desejada serra já estaria próxima, por outro lado, tínhamos pressa pois, ainda de dia, voltaríamos até o acampamento 2, onde  dormiríamos para depois, sempre acompanhando o córrego, sairíamos pesquisando minério de estanho até o campo de pouso.

           Era uma árdua tarefa, sem lugar a dúvidas, porém já estávamos acostumados, e a volta sempre é mais curta e mais agradável.

        Neste momento de divagação me veio à mente a odisséia dos conquistadores, primeiro de Cristovão Colombo, e sua três galeras, e alguns anos mais tarde, Cabral, que aportaria no sul do atual Estado da Bahia. Foram os ventos que sopraram as velas das suas naus pioneiras, e tanto eles como nós, sabiam que iam descobrir alguma coisa, porém não sabiam o que poderiam ter que enfrentar no caminho.

               Naquela época,  as férteis mentes dos pensadores achavam que a água do mar caía num enorme precipício, e que a terra era sustentada por um gigante! Eles não tiveram os recursos que hoje a Ciência nos oferece, graças à que sabemos que o planeta Terra é um dos nove planetas até hoje descobertos, todos pertencentes à Via Láctea, e que têm uma orbita elíptica em torno do Sol, uma estrela que pertence à nossa Galáxia, a Via Láctea, e que nos mantêm, graças à sua força de atração, numa gravidade na ordem de 9,6 kg por centímetro quadrado.

              Os gritos de Toninho, que vinha ao nosso encontro pedindo para que nos protegêssemos, eram desesperadores e de uma só vez me tiraram desta enorme viagem pelo mundo e pelo tempo. 

         Em pouco tempo o ar foi tomado completamente pelo cheiro característico dos porcos queixada, primos bem próximos dos Javalis e tão ferozes quanto estes. Batendo com força o maxilar, e tendo umas enormes presas à frente, um porco desses já faz um grande estrago, que diria, então, um grupo de mais de cinqüenta  destes ferozes porcos que comiam tudo que achavam na frente, sejam cobras ou sapos, todos eram esmagados por estes ferozes animais. Eles atravessaram o nosso varadouro, a uns quinhentos metros de nosso grupo, que passou inadvertido, caso contrário, todos nós serviríamos de uma boa refeição para tantos e tão ferozes animais.

           Continuamos nossa caminhada, quando tudo indicava que nunca iríamos chegar, eis finalmente que surgiu, à nossa frente, a enorme Serra, disposta de leste a Oeste.

           Foi, na realidade, a premiação à nossa perseverança. Só que nosso caminho mergulhava  numa enorme represa de água, formada pelo córrego que vinha do alto, e saía na outra extremidade, bem ao lado das escarpadas paredes da serra, onde o Toninho já nos esperava dando risada e alisando seus ralos bigodes.

          O jeito foi organizar quem subiria a serra conosco e quem ficaria embaixo, segurando também o burro.

          Uns sete homens decidimos subir a Serra e mergulhamos na represa saindo do outro lado. Coube ao Moco, um homem baixinho, porém bem atarracado, a tarefa de levar, dentro de um saco plástico, a câmara fotográfica Pentax e os filmes de sensibilidade ASA200. Naquela época todas as câmaras fotográficas eram analógicas, e não existiam ainda as câmeras digitais a cartão de hoje. Moco ergeu na mão direita o pacote, acima da água, nadou, nadou, até mais ou menos o meio da represa, onde chegou cansado e aos poucos foi afundando,  inclusive com o pacote, e desapareceu sob a água.

          Todos lamentamos, porém, antes que dois ou três homens mergulhassem para auxiliar o Moco, este apareceu ao nosso lado, com o pacote, incólume, na mão.

             E, assim, iniciamos nossa grande escalada.



HUGOALBERTO CUÉLLAR URIZAR

É Cineasta, Jornalista e escritor, é diretor técnico
da Produtora Sudameris em Osasco-SP
sudamerisosasco@hotmail.com

 

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