12 de agosto de 2013

ELETRIZANTE - Parte 1

          O CESNA 170 foi preparado na extremidade do campo de pouso de Porto Velho, capital do então Território Federal da Rondônia. Na área do Rio Rocego, a uma hora de voo, estavam esperando algumas dezenas de homens, e a nós caberia a tarefa de levar mantimentos não perecíveis e a viagem também serviria para levar na volta o Chefe da Pesquisa e mais um geólogo.

         Vi quando carregaram no avião quatro sacos de pão torrado, pensei que  todos os mantimentos já estivessem à bordo. Minha primeira tarefa  seria, agora,  a de embarcar no avião e viajar sobre a floresta amazônica por mais de uma hora. e a fim de quebrar a monotonia do voo  dava até para tirar uma soneca durante a viagem.

            Quando me acomodei ao lado do piloto, qual não foi minha surpresa ao ver que no compartimento de carga nada foi colocado, ao contrário, tiraram os bancos para dar mais espaço ao burro que, anestesiado, e com as quatro patas amarradas, dormia tranquilamente graças ao sonífero que injetaram nele. Em condições normais, certamente jamais seria possível colocar o animal dentro do avião.

             Bem, como dizem o que não tem remédio, remediado está. O velho Cesna 170, como se tomasse um fôlego, parou e logo acelerou na extremidade do campo de pouso.  Correu a pista inteirinha e  levantou voo  acima das casas e avenidas de Porto Velho, com a proa apontada para à selva, que em alguns segundos  sobrevoaria.

Rio Madeira
              Pouco tempo depois, Porto Velho seria apenas mais um clarão às margens do Rio Madeira. De vez em quando,  víamos o reflexo do sol na água de algum igarapé no meio da floresta. A selva é qualquer coisa de impressionante, é um mundo verde a qualquer lado que se olhe da janela do avião, que embora fosse um modelo antigo, com trem de pouso fixo nas duas rodas da frente e uma roda móvel na cauda, voava a mais de duzentos quilômetros em linha de voo.

             Finalmente, depois de ter deixado há quase duas horas Porto Velho, à direita, bem longe, perdido no meio da imensa floresta, vimos um pequeno clarão na vegetação, era o campo Belo Horizonte, onde deveríamos pousar. À medida que o avião e sua carga viva, voava, o campo ia crescendo na nossa visão, até pousar aos saltos na pista de pouso, pois o solo era bem irregular.  O avião parou a pouco mais de seis metros das árvores da extremidade do campo, taxiou em direção à cabeceira, onde podiam ser vistos alguns homens e um casarão abandonado há muito tempo pelos seringueiros, e que servia para guardar a carga dos aviões, e para o descanso  da equipe de pesquisa.

   
       Um enorme pé de mangueira, fazia ampla sombra, enfrente à casa de madeira, e os periquitos, às centenas pousados  na copa da árvore, faziam um barulho insuportável.

             Logo que o avião parou, apareceram mais braçais, e o Dr. Raph Angel, um engenheiro Australiano, chefe da pesquisa, acompanhado do geólogo paraguaio, Dr. Julian. Depois dos cumprimentos de praxe e um breve descanso,  o piloto e os dois técnicos se acomodaram na aeronave, pois agora sobrava espaço, já que o burro fora arrastado para fora do avião que depois de taxiar na extremidade do campo, acelerou e correu levantando voo, para depois, em pouco tempo, desaparecer no ar. Restou ali, apenas  o ruído da água correndo no  leito do córrego Belo Horizonte, e logo depois o barulho de  um bando de periquitos que  pousaram na imensa mangueira.

       Tínhamos  que nos apressar, e, assim que o burro voltasse a si, seria carregado com gêneros alimentícios e o pão que trouxemos conosco, pois teríamos  mais  uma hora de caminhada pelo varadouro até o acampamento 1, igarapé acima.

            E assim foi. Só que atravessamos o primeiro córrego, enfrente à casa dos seringueiros, na pista, pelo leito do córrego, pois o tronco que servia como ponte, havia criado tanto limo que era perigosamente escorregadio.

       Andamos por mais de uma hora pelo varadouro sempre em fila índia e beirando o córrego, só afastando-nos dele quando o varadouro fazia uma curva para ficar fora de algum barranco muito alto.

           Os 20 homens, um dos que puxava o burro pela brida, nos seguiam por vezes calados, por vezes às gargalhadas. Alguns deles, como eles próprios afirmaram, lá estavam por um tempo só, o suficiente para ganhar um dinheiro e fugir aos problemas, ignoravam eles o ditado que diz que por mais longe que se possa ir para fugir dos problemas, sempre os levaremos conosco.

         No meio da tarde, numa curva, de repente, num monte de palhas, ergueu-se à minha frente, a uns três metros de distância, uma cobra Surucucú, uma das espécies mais venenosas.

         A parte visível da cobra, erguida e reta, teria no máximo um metro. A língua do réptil, partida em duas pontas na extremidade, saía e entrava na boca do animal que nos  olhava fixo, pronto para o mortal bote.
Todos ficamos imóveis, mudos e quietos. Qualquer movimento, por mínimo, seria fatal para nós, ainda mais naquele lugar, sem nenhum recurso e no meio da mata.

        De repente, ouvimos um estampido seco, e a cabeça da cobra se despedaçar. Era o mateiro Toninho que tinha atirado na cabeça da perigosa cobra. Ufa, tinha acabado o pesadelo. Depois do susto continuamos nossa caminhada, que na verdade, pelo menos mais uns quarenta minutos de boa caminhada  nos esperava ainda.

        Bom, não tínhamos outra alternativa, lá fomos nós....


HUGOALBERTO CUÉLLAR URIZAR
É Cineasta, Jornalista e Escritor, é diretor técnico
da Produtora Sudameris em Osasco-SP
sudamerisosasco@hotmail.com


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